EnfParaq.
Rosa Serra
Tancos, 2005 - Enfermeira Pára-quedista Ivone Reis
Têm-me perguntado várias vezes pela Enfermeira Ivone. Sei também que já
há um certo número de pessoas que sabem que ela não tem estado bem de
saúde, por isso aqui estou eu para falar um pouco da primeira enfermeira
Nós, aqueles que a conheceram e que com ela conviveram períodos da sua
vida por diversas razões, não a esquecem e no meu caso pessoal tenho bem
presente quem foi a Ivone, como sempre a vi e o que eu aprendi com ela.
A Enfermeira Ivone pertence ao grupo das 6 Marias, nome pelo qual ficou
conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Pára-quedistas portuguesas feito em
1961.
Foi ela que contactou as futuras candidatas, residentes na Cidade do
Porto, que em 1967 tinham pedido por escrito à Força Aérea informações
sobre cursos para Enfermeiras Pára-quedistas. Foi a Enfermeira Ivone a
primeira a deslocar-se ao Porto para conhecer as 4 interessadas na
candidatura ao curso, onde eu estava incluída.
Mais tarde, eu, já Enfermeira com boina verde na cabeça, estive em
várias comissões com ela. Fazíamos uma grande diferença de idade; eu
muito novinha, a Ivone uma senhora cheia de sabedoria e experiência.
Logo percebi tratar-se de uma pessoa de princípios e moral muito
vincados, nem sempre de fácil contacto, porque o seu grau de exigência
era muito elevado, não só para quem estava à sua volta, mas para com ela
mesmo.
Não se lamentava do seu cansaço nem de quem a magoasse com qualquer
atitude menos simpática; mas também não se inibia de chamar a atenção
sobre tudo o que eu ou outra enfermeira qualquer pudéssemos fazer e que
ela considerasse pouco correcto, ou até mesmo deselegante.
Fazia gosto e não se poupava a esforços para que todas nós fossemos um
exemplo de profissionalismo impecável, cumpridoras de normas militares
sem deslizes, posturas e atitudes que se destacassem, de forma a sermos
admiradas como grupo.
No meu caso pessoal percepcionei logo na primeira comissão que fiz com
ela a sua forma de estar e o seu rigor no desempenho da sua actividade
como enfermeira em ambiente masculino e de guerra.
Várias vezes ela me chamou atenção por pequenas rebeldias
insignificantes e atitudes que eu tomava, como entrar no helicóptero
para ir fazer uma evacuação com o casaco de camuflado pendurado num
ombro, de bolsa de enfermagem no outro e de t-shirt branca; era sabido que quando regressasse logo me dizia do perigo em usar a t-shirt
em pleno mato pois tornava-me um alvo bem visível, além do aspecto
pouco alinhado no uso do uniforme militar a bordo de uma aeronave.
Eu dizia-lhe para ela não se preocupar, porque eu era um alvo que não
interessava a ninguém; e quanto ao desalinho do casaco pendurado no
ombro, um dia respondi-lhe que só o fazia porque tinha calor, não pelo
clima da Guiné, que até era “fresquinho”, mas se calhar por estar a
entrar em “menopausa” e ela esboçou um sorriso e respondeu-me:
- A menina gosta muito de brincar.
Eu nunca levava a mal o que ela me dizia, apesar de eu ser mesmo uma
periquita ao lado dela; sempre soube apreciar as suas qualidades
profissionais sobretudo em termos de organização e de uma verticalidade e
sentido de dever pouco comuns, mesmo nessa altura.
Mais tarde, em Angola, as enfermeiras colocadas em Luanda viviam num
apartamento de um edifício da Força Aérea destinado a alojar militares e
suas famílias. O ambiente era bem mais calmo que o da Guiné, o que nos
permitia termos fins-de-semana, irmos à praia, convivermos mais
tranquilamente com a comunidade civil ou com famílias de militares.
A Enfermeira Ivone sempre alinhou comigo nas horas de lazer, tal como
respeitava se eu não a convidasse para ir comigo quando eu saía com um
grupo de amigos ou familiares meus que lá se encontravam na época.
Em Angola eu estava colocada no BCP 21 e ela na Direcção do Serviço de
Saúde da Força Aérea. Normalmente eu ia para o Batalhão com farda n.º 2
(saia, camisa e eventualmente blusão) e, claro, boina verde na cabeça.
Um dia resolvi colocar num dedo um anel com uma pedra grande verde, que
dava um bocado nas vistas; quando ela me viu sair com semelhante
adereço, fardada, olhou para o dedo e com ar de espanto diz-me:
- A Rosa esqueceu-se que está fardada? - Eu respondi, não - e acrescentei:
- Não me diga que não é giro… condiz mesmo bem com o verde da boina - e
ia mostrando o dedo e dizendo: - É lindo, até devia estar orgulhosa de
uma Enfermeira Pára-quedista estar assim tão gira.
Ela respondeu-me:
- Nem por isso - e virou-me as costas. Acredito que se foi rir às escondidas.
Mais tarde comentámos uma série de peripécias deste género que se
passaram connosco e fartámo-nos de rir, e com aquele jeito típico dela,
depois destas lembranças e passados tantos anos, acabava por dizer:
- A menina era muito brincalhona, nunca consegui zangar-me consigo.
Estou a contar estes episódios porque sempre percebi que por trás
daquele ar rigoroso dela estava uma mulher mais tolerante do que
parecia, com uma capacidade de organização espantosa, uma noção de ética
muito apurada, muito trabalhadora; e nunca a vi fazer uma crítica
desagradável ou fofoqueira de ninguém e nem gostava que as pessoas que a
rodeavam o fizessem.
Ao longo de todos estes anos mantive sempre contacto com ela, o que me
permitiu tomar conhecimento de um espólio fantástico que ela foi
recolhendo dos sítios por onde passou e organizando ao longo dos anos,
tendo em vista a divulgação da história das Enfermeiras Pára-quedistas
de quem ela tanto se orgulhava e que sempre se preocupou em não deixar
cair no esquecimento. Foi sempre um bom exemplo para mim.
(Rosa Serra)
Tancos 2005 - I Encontro de Mulheres Boinas Verdes - A Enfermeira Ivone corta o bolo comemorativo
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 - III Encontro de Mulheres Boinas Verdes
Da esquerda para a direita: Giselda, Rosa Serra (de branco), Maria
Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), atrás (?), depois Júlia Lemos (camisola florida), Amália Reimão (de branco), Céu Matos Chaves
(de amarelo) e Zulmira André. Em baixo,Aida Rodrigues.
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 - III Encontro de Mulheres Boinas Verdes
A partir da esquerda: (?), a Rosa Serra (de branco), a Zulmira
André (meio tapada), a Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), Teresa Lamas, a Maria do Céu Matos Chaves (de amarelo), a Júlia Lemos (camisola florida) e a Amália Reimão (de branco). Em baixo estão a
Giselda e uma camarada mais nova.
Base Aérea de S. Jacinto, 2007 -III Encontro de Mulheres Boinas Verdes Giselda, Rosa Serra e Zulmira André
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