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    2 de setembro de 2015

    ENFERMEIRAS PÁRA-QUEDISTAS RELATOS VII

    EnfParaq.
    Rosa Serra

    Tancos, 2005 - Enfermeira Pára-quedista Ivone Reis


    Têm-me perguntado várias vezes pela Enfermeira Ivone. Sei também que já
    há um certo número de pessoas que sabem que ela não tem estado bem de
    saúde, por isso aqui estou eu para falar um pouco da primeira enfermeira
    pára-quedista que eu conheci.



    Nós, aqueles que a conheceram e que com ela conviveram períodos da sua
    vida por diversas razões, não a esquecem e no meu caso pessoal tenho bem
    presente quem foi a Ivone, como sempre a vi e o que eu aprendi com ela.


    A Enfermeira Ivone pertence ao grupo das 6 Marias, nome pelo qual ficou
    conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Pára-quedistas portuguesas feito em
    1961.

    Foi ela que contactou as futuras candidatas, residentes na Cidade do
    Porto, que em 1967 tinham pedido por escrito à Força Aérea informações
    sobre cursos para Enfermeiras Pára-quedistas. Foi a Enfermeira Ivone a
    primeira a deslocar-se ao Porto para conhecer as 4 interessadas na
    candidatura ao curso, onde eu estava incluída.

    Mais tarde, eu, já Enfermeira com boina verde na cabeça, estive em
    várias comissões com ela. Fazíamos uma grande diferença de idade; eu
    muito novinha, a Ivone uma senhora cheia de sabedoria e experiência.
    Logo percebi tratar-se de uma pessoa de princípios e moral muito
    vincados, nem sempre de fácil contacto, porque o seu grau de exigência
    era muito elevado, não só para quem estava à sua volta, mas para com ela
    mesmo.

    Não se lamentava do seu cansaço nem de quem a magoasse com qualquer
    atitude menos simpática; mas também não se inibia de chamar a atenção
    sobre tudo o que eu ou outra enfermeira qualquer pudéssemos fazer e que
    ela considerasse pouco correcto, ou até mesmo deselegante.

    Fazia gosto e não se poupava a esforços para que todas nós fossemos um
    exemplo de profissionalismo impecável, cumpridoras de normas militares
    sem deslizes, posturas e atitudes que se destacassem, de forma a sermos
    admiradas como grupo.

    No meu caso pessoal percepcionei logo na primeira comissão que fiz com
    ela a sua forma de estar e o seu rigor no desempenho da sua actividade
    como enfermeira em ambiente masculino e de guerra.

    Várias vezes ela me chamou atenção por pequenas rebeldias
    insignificantes e atitudes que eu tomava, como entrar no helicóptero
    para ir fazer uma evacuação com o casaco de camuflado pendurado num
    ombro, de bolsa de enfermagem no outro e de t-shirt branca; era sabido que quando regressasse logo me dizia do perigo em usar a t-shirt
    em pleno mato pois tornava-me um alvo bem visível, além do aspecto
    pouco alinhado no uso do uniforme militar a bordo de uma aeronave.

    Eu dizia-lhe para ela não se preocupar, porque eu era um alvo que não
    interessava a ninguém; e quanto ao desalinho do casaco pendurado no
    ombro, um dia respondi-lhe que só o fazia porque tinha calor, não pelo
    clima da Guiné, que até era “fresquinho”, mas se calhar por estar a
    entrar em “menopausa” e ela esboçou um sorriso e respondeu-me:

    - A menina gosta muito de brincar.

    Eu nunca levava a mal o que ela me dizia, apesar de eu ser mesmo uma
    periquita ao lado dela; sempre soube apreciar as suas qualidades
    profissionais sobretudo em termos de organização e de uma verticalidade e
    sentido de dever pouco comuns, mesmo nessa altura.

    Mais tarde, em Angola, as enfermeiras colocadas em Luanda viviam num
    apartamento de um edifício da Força Aérea destinado a alojar militares e
    suas famílias. O ambiente era bem mais calmo que o da Guiné, o que nos
    permitia termos fins-de-semana, irmos à praia, convivermos mais
    tranquilamente com a comunidade civil ou com famílias de militares.

    A Enfermeira Ivone sempre alinhou comigo nas horas de lazer, tal como
    respeitava se eu não a convidasse para ir comigo quando eu saía com um
    grupo de amigos ou familiares meus que lá se encontravam na época.

    Em Angola eu estava colocada no BCP 21 e ela na Direcção do Serviço de
    Saúde da Força Aérea. Normalmente eu ia para o Batalhão com farda n.º 2
    (saia, camisa e eventualmente blusão) e, claro, boina verde na cabeça.
    Um dia resolvi colocar num dedo um anel com uma pedra grande verde, que
    dava um bocado nas vistas; quando ela me viu sair com semelhante
    adereço, fardada, olhou para o dedo e com ar de espanto diz-me:

    - A Rosa esqueceu-se que está fardada? - Eu respondi, não - e acrescentei:

    - Não me diga que não é giro… condiz mesmo bem com o verde da boina - e
    ia mostrando o dedo e dizendo: - É lindo, até devia estar orgulhosa de
    uma Enfermeira Pára-quedista estar assim tão gira.

    Ela respondeu-me:

    - Nem por isso - e virou-me as costas. Acredito que se foi rir às escondidas.

    Mais tarde comentámos uma série de peripécias deste género que se
    passaram connosco e fartámo-nos de rir, e com aquele jeito típico dela,
    depois destas lembranças e passados tantos anos, acabava por dizer:

    - A menina era muito brincalhona, nunca consegui zangar-me consigo.

    Estou a contar estes episódios porque sempre percebi que por trás
    daquele ar rigoroso dela estava uma mulher mais tolerante do que
    parecia, com uma capacidade de organização espantosa, uma noção de ética
    muito apurada, muito trabalhadora; e nunca a vi fazer uma crítica
    desagradável ou fofoqueira de ninguém e nem gostava que as pessoas que a
    rodeavam o fizessem.

    Ao longo de todos estes anos mantive sempre contacto com ela, o que me
    permitiu tomar conhecimento de um espólio fantástico que ela foi
    recolhendo dos sítios por onde passou e organizando ao longo dos anos,
    tendo em vista a divulgação da história das Enfermeiras Pára-quedistas
    de quem ela tanto se orgulhava e que sempre se preocupou em não deixar
    cair no esquecimento. Foi sempre um bom exemplo para mim.

    (Rosa Serra)


    Tancos 2005 - I Encontro de Mulheres Boinas Verdes - A Enfermeira Ivone corta o bolo comemorativo



    Base Aérea de S. Jacinto, 2007 - III Encontro de Mulheres Boinas Verdes
    Da esquerda para a direita: Giselda, Rosa Serra (de branco), Maria
    Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), atrás (?), depois Júlia Lemos (camisola florida), Amália Reimão (de branco), Céu Matos Chaves
    (de amarelo) e Zulmira André. Em baixo,Aida Rodrigues.



    Base Aérea de S. Jacinto, 2007 - III Encontro de Mulheres Boinas Verdes
    A partir da esquerda: (?), a Rosa Serra (de branco), a Zulmira
    André (meio tapada), a Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), Teresa Lamas, a Maria do Céu Matos Chaves (de amarelo), a Júlia Lemos (camisola florida) e a Amália Reimão (de branco). Em baixo estão a
    Giselda e uma camarada mais nova.



    Base Aérea de S. Jacinto, 2007 -III Encontro de Mulheres Boinas Verdes Giselda, Rosa Serra e Zulmira André

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